Novo entendimento do STF e STJ sobre o Reconhecimento de Pessoas - De Olho No Sertão

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Novo entendimento do STF e STJ sobre o Reconhecimento de Pessoas


Conforme o magistério do Ministro Gilmar Mendes, “o processo penal busca verificar a tese acusatória em um procedimento desenvolvido em contraditório, perante um juízo imparcial e com respeito ao devido processo”. Entendido desse modo, o processo penal é um instrumento de limitação do poder punitivo estatal, o qual será liberado pelo Estado-juiz somente se verificada a hipótese acusatória e superada a presunção de inocência.

A verificação da tese acusatória invariavelmente se realiza a partir da reconstrução dos fatos passados, de modo a constatar-se se o fato criminoso imputado ocorreu e se foi praticado pela pessoa indicada como autora.

Em grande medida, diversos dos meios probatórios, especialmente aqueles mais tradicionais, como a prova testemunhal e o reconhecimento de pessoas, dependem necessariamente da memória, a qual, como tudo no ser humano, é passível de falhas, desejadas ou involuntárias.

Está comprovado cientificamente que o relato de testemunhas pode ser influenciado por agentes externos (humanos ou não), tendo em vista a fragilidade da memória, sendo certo afirmar “que testemunhas oculares são facilmente suscetíveis a erros devido a efeitos de influência social e sugestionabilidade” (SARAIVA, Renan B. et al. Conformidade entre testemunhas oculares: efeitos e falsas informações nos relatos criminais. Psico-USF, v. 20, n. 4, p. 87-96, jan./abr. 2015).

Diante desta constatação de fato, a jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no julgamento do RHC 206.846, publicado em 25/05/2022, decidiu superar o entendimento de que o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal (que trata do Reconhecimento de Pessoas) seria “mera recomendação” e fulminar com a mácula da nulidade a quebra da tipicidade procedimental descrita.

Conforme o novo entendimento da Suprema Corte, “o reconhecimento de pessoas, presencial ou por fotografia, deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime e para uma verificação dos fatos mais justa e precisa.”

De acordo com o novo entendimento do STF, “a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita, de modo que tal elemento não poderá fundamentar eventual condenação ou decretação de prisão cautelar, mesmo se refeito e confirmado o reconhecimento em Juízo.”

No mais, decidiu o Supremo, que é ilegal a realização do ato de reconhecimento pessoal sem que haja justificativa em elementos que indiquem, ainda que em juízo de verossimilhança, a autoria do fato investigado, de modo a se vedarem medidas investigativas genéricas e arbitrárias, que potencializam erros na verificação dos fatos.

Ora, o novo entendimento da Suprema Corte se soma ao que já vinha sendo decidido pelo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, que desde o final de 2020, em leading case, quando do julgamento do HC 598.886, de relatoria do ministro Rogerio Schietti, entendeu pela necessidade de respeito a tipicidade do art. 226 do CPP para conferir-se validade ao reconhecimento de pessoas.

De mais a mais, como ficou recentemente assentado no julgamento do HC 712.781 (j. em 15/03/2022) pelo STJ (Informativo 730):

"Estudos sobre a epistemologia jurídica e a psicologia do testemunho alertam que é contraindicado o show-up (conduta que consiste em exibir apenas a pessoa suspeita, ou sua fotografia, e solicitar que a vítima ou a testemunha reconheça se essa pessoa suspeita é, ou não, autora do crime), por incrementar o risco de falso reconhecimento. O maior problema dessa dinâmica adotada pela autoridade policial está no seu efeito indutor, porquanto se estabelece uma percepção precedente, ou seja, um pré-juízo acerca de quem seria o autor do crime, que acaba por contaminar e comprometer a memória. Ademais, uma vez que a testemunha ou a vítima reconhece alguém como o autor do delito, há tendência, por um viés de confirmação, a repetir a mesma resposta em reconhecimentos futuros, pois sua memória estará mais ativa e predisposta a tanto.”

No mais, sob a ótica de um processo penal de raiz garantista (é dizer, conforme aos parâmetros e diretrizes constitucionais e legais), busca-se uma verdade processualmente válida, em que a reconstrução histórica dos fatos objeto do juízo se vincula a regras precisas, que assegurem às partes maior controle sobre a atividade jurisdicional. “Forma é garantia”, como diz a feliz expressão de Aury Lopes Jr.

Adotada, assim, a premissa de que a busca da verdade, no processo penal, se sujeita a balizas epistemológicas e também éticas, que assegurem um mínimo de idoneidade às provas e não exponham pessoas em geral ao risco de virem a ser injustamente presas e condenadas, é de se refutar que o reconhecimento de pessoas seja produzido de forma totalmente viciada. Se outros fins, que não a simples apuração da verdade, são também importantes na atividade investigatória e persecutória do Estado, algum sacrifício epistêmico, como alerta Jordi Ferrer-Beltrán, pode ocorrer, especialmente quando o processo penal busca, também, a proteção a direitos fundamentais e o desestímulo a práticas autoritárias.

Por fim, impõe compreender que a atuação dos agentes públicos responsáveis pela preservação da ordem e pela apuração de crimes deve dar-se em respeito às instituições, às leis e aos direitos fundamentais. Ou seja, quando se fala de segurança pública, esta não se pode limitar à luta contra a criminalidade; deve incluir também a criação de um ambiente propício e adequado para a convivência pacífica das pessoas e de respeito institucional a quem se vê na situação de acusado e, antes disso, de suspeito.

Este novo posicionamento dos tribunais superiores, exigindo a observância do rito procedimental do reconhecimento de pessoas para sua validade, pode vir a dar fim a um dos principais mecanismos causadores de erros judiciários no Brasil.

 

José Corsino Peixoto Neto
Advogado Criminalista - OAB/PB 12.963 
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